terça-feira, 24 de novembro de 2009

E se eu soubesse escrever ficção I

Ela aparece, virando a esquina da manhã, surgida do meio do nevoeiro. Dá-me dois beijos frios, frescos, despachados. "Então, como é que tens andado?" pergunta enquanto tira o casaco e se senta com gestos decididos.
Rodo a chávena do café, enquanto procuro uma resposta que não fosse mentira. "Tenho tanta coisa para te contar!" Digo, desviando-me para a frente. "Já comeste? Têm umas torradas fabulosas."
Não quero falar, não quero que ela saiba como os sonhos se esvairam, não lhe quero dizer que as promessas que fizemos escorregaram de mim.
"Então e tu, que tens feito?" Passo-lhe a bola. Mas sei que ma vai devolver num instante. Nunca perdeu a frontalidade nem a mania de fazer perguntas directas, a roçar a indelicadeza.
Olho-a nos olhos, verdes e frios e sei que não a trocava por nada. Deixo-me embalar pela narrativa dela e espero pela minha vez de desnudar a alma, sem medo, a saber que os sonhos estão guardados em nós e vão reaparecer mais vezes, nas manhãs de nevoeiro, quando for preciso refrescar o espírito.

Não se aflijam

Preparem-se para dar aula na próxima Sexta sobre a abordagem que pretendem seguir na vossa tese, definição, objectivos e limitações, baseados no Creswell e noutra bibliografia, mas não se aflijam.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pólvora

O princípio da solução para o eterno problema da Vida, do Universo e de Tudo, o início de quarenta e dois é, obviamente, chocolate preto.

Pulos e saltos

"Ainda estás na fase de ele dizer salta e tu saltares" - diz-me a T. com a voz enrolada em escárnio mal disfarçado. Pois estou, penso para mim. Pois sou, penso depois. Ele, TU, toda a gente, penso na direção da T., que é das que melhor me conhece e menos pejo tem em me fazer saltar. E encho-me de novo de tristeza. Penso que para mim ninguém salta nunca... Depois penso que estou a ser injusta, na verdade, nunca peço que saltem por mim. Escondo-me quando preciso e não digo nada.
Mas a verdade, diz baixinho a voz com que discuto internamente, é que não posso pedir. Os saltos ou se dão de vontade ou não valem a pena. E esses são sentidos e não pedidos.
Penso no meu Descartes pessoal. Devia ter uns oito anos quando duvidei de tudo... suponho que não devia ter nada para ler. E se for tudo falso, e se eu não existir? O Universo é muito maior quando se tem oito anos. E se eu estiver errada? Não tenho maneira de saber, não consigo ver dentro da cabeça dos outros, só da minha... E há dias em que odeio tanto a minha cabeça... Hoje é o dia...

Guerra Aberta

O Universo continua em guerra comigo. Sinto que observa de perto todos os meus movimentos, sedento de me corrigir cada passo. Raivoso e maquievelico, não deixa escapar uma. E eu, humildemente, vou aprendendo, embora pareça que nunca sei o suficiente, que estou destinada a cometer erros, sempre e sempre.
Estou cansada de aprender. Estou cansada de ter de refazer os meus passos a cada momento. Estou cansada de querer bem e fazer mal. Estou cansada de ser parva. De mendigar carinho. De me sentir sozinha. Vou parar de fazer aos outros o que gostava que me fizessem a mim, até porque é inutil, ninguém faz mesmo.
Estou, neste momento, a declarar uma cessar-fogo unilateral com o Universo. Por mim, chega. Não faço mais. Não corro, não sugiro, não faço. Estou aqui e sempre aqui estarei, mas cada passo que dou é um enorme risco de levar um estalo. Não me dou mais. Melhor, dou mas não ofereço.
Eu sei que saro depressa e recupero depressa, mas os erros deixam marcas e as cicatrizes doem todas juntas com o mau tempo.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Só estar

Gosto das noites calmas, a ver televisão. Olho para trás e acho que nao tive noites destas suficientes. Na verdade foram tão poucas aquelas em que o fiz na companhia de outros adultos que acabo a recordar com saudade o Verão em que vi uma telenovela com a minha mãe, ou as tardes de Sábado passadas a ver o Ídolos com o meu pai. Se bem que, agora que penso nisso, acho que preso à cama, à espera da maré, não deve ter ligado muito ao programa.
Não interessa agora, interessa só que gosto de coisas simples. Que tenho saudades de noites de Inverno, com a chuva a cair lá fora e eu a ver televisão, acompanhada. Saudades do futuro, diziam os Trovante. Será?